Lembrando Percursos Beneditinos GAMT - Penafiel

Os Percursos Beneditinos voltaram com a primavera, realizando-se, em meados de abril de dois mil e dezasseis, o décimo primeiro percurso.
Continuando na rota da memória beneditina, desta vez fomos visitar o Mosteiro de Bustelo, um dos mosteiros da congregação beneditina portuguesa, fundado em tempos medievais e reconstruído nos séculos XVII e XVIII, no concelho de Penafiel. Cumprindo a dimensão multidisciplinar dos percursos, tivemos também uma visita guiada ao Museu Municipal de Penafiel e visitámos a Igreja da Misericórdia.
A manhã de sábado, algo chuvosa, mostrava-se pouco convidativa para viagens, mas à hora da partida todos se apresentaram, ansiosos por novas descobertas. Chegados a Penafiel, onde outros participantes nos esperavam, o tempo já prometia consideráveis melhorias, parecendo premiar os que se sentiam impelidos pela riqueza patrimonial dos espaços a visitar.
Museu Municipal de Penafiel
Depois de uma curta pausa para café, o Museu Municipal de Penafiel, instalado no palacete Pereira do Lago, recentemente renovado, em pleno centro histórico, esperava por nós com as suas coleções que nos contam a história local, a arqueologia e a etnografia.
Entrados, percorremos cinco salas temáticas da exposição permanente dedicadas à identidade, ao território, à arqueologia, aos ofícios, à terra e água, com um discurso elucidativo e atual. Lográmos apreciar o espólio arqueológico proveniente das intervenções efetuadas no concelho. Ficámos a saber, através de uma guia atenta e capaz, que a coleção de etnografia tem sido objeto de recolhas regulares, com vista a atender a situações críticas de perda de bens móveis relacionados com as temáticas agrícolas, os ofícios, a atividade piscatória e de transporte fluvial e as festas.
Igreja da Misericórdia
Terminada esta primeira visita do dia que, entre outras lembranças, nos transportou para uma memória relativamente recente do mundo rural e que tende a desaparecer ao ritmo da rápida evolução tecnológica, dirigimo-nos para a Igreja da Misericórdia de Penafiel, situada a dois passos do museu, onde uma jovem guia nos aguardava. O itinerário contemplava todo o complexo associado à igreja, incluindo o atual museu de arte sacra.
A igreja, com construção datada entre 1620 e 1631, é um templo revelador de uma linguagem maneirista, de uma só nave e capela-mor, coberta por abóbada de berço com caixotões numa composição seiscentista. O frontispício inscreve-se nas denominadas fachadas-retábulos. O alçado da torre sineira, setecentista, termina numa cúpula bulbiforme, revestida por azulejos. A fachada apresenta, por cima do portal, um janelão com a imagem de Nossa Senhora do Amparo e, no frontão, uma moldura com as armas da Santa Casa da Misericórdia.
Cadeiral Barroco
O templo sofreu diversas alterações ao longo dos séculos XVII e XVIII. Destacam-se um conjunto de altares laterais e retábulo-mor de talha neoclássicos; o cadeiral barroco e o órgão, cuja caixa de talha dourada e policromada pertenceu ao Mosteiro de Bustelo.
Como estava programado, pelas treze horas, fizemos uma pausa para almoçamos uns saborosos rojões por um preço simpático, fruindo do tempo disponível para convivermos, num restaurante já perto do Mosteiro do Bustelo.
Cruzeiro Monacal
Passadas duas horas de intervalo, dirigimo-nos ao mosteiro. Esperava-nos um grupo de voluntários que se uniu para criar uma espécie de salvaguarda do bem cultural que representa o Mosteiro de Bustelo e assegura a sua abertura ao público, possibilitando o acesso à igreja, coro alto e claustro.
Logo no momento da chegada, deparamos com um cruzeiro monacal em tudo semelhante ao do Mosteiro de Tibães, apenas de dimensões ligeiramente mais reduzidas. A vista do conjunto arquitetónico é de alguma forma grandiosa.
Vencida a escadaria de acesso ao espaçoso adro, deparamo-nos com a portaria a ameaçar ruina, ostentando um esplendoroso brasão beneditino esculpido em pedra, e a fachada da igreja. As obras de remodelação do antigo mosteiro românico de Bustelo datam de 1633 e foram anteriores às da igreja.
Entrando na igreja, verificámos que possui uma planta cruciforme e nave única com teto de pedra em abóbada de berço. Do conjunto, sobressai a capela-mor com o seu deslumbrante retábulo do altar-mor em talha dourada de feição joanina e que evidencia já renovações que levariam ao rococó. A meio de cada par de colunas do retábulo figuram o padroeiro S. Miguel e o patriarca S. Bento. Na nave da igreja existem quatro altares, dois do lado do Evangelho e dois do lado da Epístola.
Igreja do Mosteiro de Bustelo
De seguida, circulamos pela sacristia, onde, para além do arcaz e oratório, se destaca um curioso pilar central de madeira que parece ajudar a suportar o peso da talha que forra o teto e termina numa base em forma de mesa/escrivaninha.
Dirigimo-nos depois ao claustro ajardinado, com um chafariz central ornamentado com o herói mitológico Hércules, e passamos pelo refeitório que conserva ainda elementos icónicos, como o púlpito do leitor, sendo atualmente usado como de sede à Associação Jovens de Bustelo.
Cadeiral em Talha do Coro Alto
Subimos ao piso superior para aceder ao coro alto, com um encantador cadeiral em talha e telas a óleo descritivas da vida de São Bento e Santa Escolástica. Ainda no coro, existem duas varandas, uma delas destinada a um órgão de tubos que se encontra na igreja da Misericórdia, em Penafiel, como já foi referido.
Antes de descermos, tivemos a oportunidade de visitar uma pequena área museológica criada no piso superior do claustro e em parte da ala conventual norte, ficando esses espaços exclusivamente destinados à evocação da memória do mosteiro.
Infelizmente e como inevitavelmente se esperava, foi possível constatar que o grande inimigo destes espaços patrimoniais é, para além do abandono a que foram votados, o mau estado das coberturas e vãos que arruínam progressivamente tetos, soalhos e paredes.
Para terminar, averbamos um voto de louvor ao grupo de voluntários do Museu do Mosteiro de Bustelo que faz os impossíveis pela salvaguarda do “seu” património. Perante uma atitude como a desta associação, não podemos deixar de desejar que mil exemplos como este floresçam para bem do legado patrimonial.

Sócio do GAMT nº 2

Lembrando Percursos Beneditinos GAMT - Minho

Recuando um pouco atrás nos itinerários beneditinos já realizados, recordamos aquele que foi efetuado no primeiro dia de Agosto do ano findo em que visitámos a paisagem de Orbacém e Gondar, freguesias perdidas no sopé da serra d'Arga, no concelho de Caminha, que até ao século XV pertenceram ao mosteiro beneditino de São Cláudio e o Convento de S. João de Cabanas, outrora beneditino, na freguesia de Afife.
Interior da Igreja S. Cláudio de Nogueira
Até àquele momento, a maior parte dos intervenientes não conjeturava que a história do Mosteiro de Tibães pudesse estar de alguma forma ligada a estas paragens do Minho, fosse pela cobrança de impostos ou pela existência de cenóbios pertencentes outrora aos monges negros de S. Bento. Afife seria, sobretudo, uma localidade com uma praia de areia branca e fina, a norte de Viana do Castelo, apetecível para uns banhos de sol e piqueniques conviviais em família no terreiro da capela de Santo António.
Saímos então, numa linda manhã de sol, do Mosteiro de Tibães para o nono percurso beneditino, dirigindo-nos para norte, rumo à Igreja de Nogueira, antigo Mosteiro de S. Cláudio, classificado como monumento nacional. Aqui, fizemos a primeira paragem com uma visita guiada por jovens historiadores/investigadores da Universidade do Minho que nos levaram a apreciar a arquitetura com os pormenores construtivos deste templo de estilo românico que reflete o que foi a construção religiosa dos séculos XI a XIII. Fizeram-nos uma resenha histórica do mosteiro e a sócia do GAMT, Anabela Ramos, coadjuvou no tema da incorporação de Gondar no Mosteiro de Tibães no século XVI, com os seus rendimentos, constando-se um proveito anual de 50 mil reis.
Aula em Orbacém
Uma dúzia de quilómetros andados, e a segunda paragem ocorreu na extinta freguesia de Orbacém. Ali, ouvimos descrever a sua história, visitámos a Igreja e relógio de sol barroco e apreciámos as habitações tradicionais em alvenaria de xisto que fazem parte do património edificado local.
A hora de almoço apertava, achávamo-nos nas margens do rio Âncora, num verdejante parque de merendas a convidar para uma pausa já merecida. Enquanto a água corria no leito calmo do rio num rumorejo suave, na sua pequena viagem para o mar, desfrutámos de um alegre piquenique confraternizador, em que o farnel composto por alguns deliciosos petiscos foi da responsabilidade de cada participante.
Altar-Mor Igreja de Gondar
Findo o ligeiro mas gostoso repasto, continuámos o nosso trajeto: estávamos em Gondar para cumprir a terceira etapa. Esta freguesia foi vigairaria da apresentação do convento de Tibães. Detivemo-nos na linda igreja paroquial, cuja traça é da primeira metade do século XVIII, com uma decoração barroca em talha polícroma de cores alegres caracteristicamente minhotas. Foi a vez de Eduardo Oliveira auxiliar na compreensão do talento decorativo que aí estava patente. Cumprimos ainda o delineado percurso por algumas habitações típicas do séc. XVIII e lugares sacralizados.
O tempo já se fazia escasso e partimos para a última etapa: o convento beneditino de S. João de Cabanas.
Este antigo mosteiro masculino, classificado como Imóvel de Interesse Público mas em uso privado, situa-se no lugar de Cabanas, em Afife, distrito de Viana de Castelo, implantado numa vertente da encosta, junto à margem direita do rio Afife, num local agradável e propício à irmanação absoluta com a natureza.
Aula em S. João de Cabanas
Encontrámos uma construção de pequenas dimensões, vedada por muros altos, reformulada no início do século XVII: constituída por igreja, uma torre sineira e dependências monásticas com pequeno claustro de planta quadrangular. O acesso principal fez-se por um portão com a epígrafe “Quinta de Cabanas”. Dali, visualizámos de imediato a fachada principal da igreja, em cujo frontispício encontramos um nicho com a imagem de S. João e, mais acima no tímpano, o brasão beneditino, simbologia de mosteiros da ordem de S. Bento.
Entrando na igreja, de planta longitudinal e uma só nave, pudemos observar a abóbada de berço, o coro-alto, o altar-mor e altares laterais com retábulos de talha, púlpitos quadrangulares sobre mísulas e encimados por janelas. Tivemos nessora o sempre esperado momento de aula de arte que a todos enriquece, proporcionado desta vez pela Presidente do Conselho Diretor, Aida Mata.
Claustro em S. João de Cabanas
Convirá registar que, do ponto de vista arquitetónico e decorativo, o corpo da igreja é, sem dúvida, a parte mais interessante deste espaço visitado. Inquieta-nos que, apesar da manutenção da limpeza existente, a humidade esteja a tomar conta progressivamente desta área com a indesejável degradação que o passar do tempo trará.
Visitámos de seguida o claustro, de dimensões reduzidas, e as restantes dependências conventuais. Ao centro da quadra do claustro está edificada uma fonte com tanque circular e imagem escultórica ao centro.
Antes de nos retirarmos, pudemos visitar parte da cerca conventual: uma ajardinada, outra agrícola, com uma vinha e um laranjal já a requerer manutenção, e a parte sobrante ocupada pela mata, esta separada do restante de modo natural pelo riacho que atravessa a propriedade.
Como no século XX, o Convento de São João de Cabanas ficou conhecido por ser o local onde o
Homenagem a Pedro Homem de Mello
poeta Pedro Homem de Mello viveu e escreveu, achamos oportuno prestar-lhe uma reconhecida e sentida homenagem com audição de um seu poema cantado admiravelmente pela fadista Amália Rodrigues, à volta da mesa de pedra situada nas traseiras da adega, debaixo de uma ramada refrescante, onde certamente o escritor terá meditado e redigido as suas composições poéticas e saboreado deliciosas refeições estivais.
Já fora do recinto, antes de encetarmos a viagem de regresso, despedimo-nos com a tradicional e animada foto de grupo, postada junto ao muro da cerca conventual.
  
Sócio do GAMT nº 2
Prontos para a partida
Igreja S. Cláudio de Nogueira
O Piquenique


Altar-Mor Igreja de Orbacém


Igreja de Gondar
Mosteiro de S. João de Cabanas

Habitação senhorial em Orbacém

Foto de grupo

Lembrando o órgão de tubos do Mosteiro de Tibães

No Verão de 2015, no âmbito das atividades do programa do "Dia da Freguesia", projeto da junta de freguesia de Mire de Tibães, o Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães procedeu, com o apoio da Paróquia, à recolha de memórias de residentes na freguesia acerca do Órgão de Tubos do Mosteiro de Tibães. Os testemunhos recolhidos foram trabalhados e apresentados publicamente, sob a forma de power point Memórias do órgão de tubos do Mosteiro de Tibães ), no dia 6 de Setembro, na tertúlia "Preservação da Memória do Órgão de Tubos do Mosteiro de Tibães", onde estiveram presentes cerca de 90 pessoas. 
Este trabalho visava não só a preservação de uma memória mas também mostrar à Direcção Regional da Cultura do Norte o interesse de uma população que reconhece o valor de um património, sentindo-o como seu e que quer vê-lo recuperado e ouvir de novo a sua música.
Órgão de tubos do Mosteiro de Tibães
A memória do órgão de Tibães e o reconhecimento da importância da música no seio da comunidade beneditina não terá sido indiferente à organização da 3ª edição do Festival de Órgão de Braga, que no próximo dia 8 de Maio, traz, à igreja do Mosteiro de Tibães, o concerto "Órgão e Amigos Medievais" em que o órgão “actualiza uma época em que estes instrumentos não se confinavam ao ambiente sacro estando também presentes em contextos profanos”. 
Este concerto é um dos seis do Festival, “que propõe uma viagem pelo mundo da arte, numa caminhada que aponta para o divino” a realizarem-se na Sé Braga, dia 6 de Maio; na Igreja da Conceição, dia 7 de Maio; na Igreja de Santa Cruz, dia 13 de Maio; na Igreja de Santa Maria de Adaúfe, dia 14 de Maio e na Igreja de S. Vítor, dia 15 de Maio. 
Lamentando que o órgão que vamos ouvir não seja o da igreja, o GAMT congratula-se por esta actividade que é um contributo importante na luta pela recuperação do Órgão de Tubos do Mosteiro de Tibães.

Aida Mata

GASTRONOMIA COM UM POUCO DE CIÊNCIA - 1ª Crónica “Ciência lambareira: explicar segredos da doçaria”

(workshop apresentada por Margarida Guerreiro, investigadora da Cooking.Lab)

No dia 19 de Março passado, e após uma visita ao Mosteiro de S. Martinho de Tibães guiada por Aida Mata e Anabela Ramos, que nos levou também ao refeitório e às velhas cozinhas do Mosteiro, eis-nos conduzidos até à cozinha da Hospedaria do Mosteiro.


Aqui e desde logo Margarida Guerreiro dá-nos a provar uma Manteiga de Limão (lemon curd) barrada sobre uns biscoitos em forma de barquinho e ainda Compotas de Abóbora sobre bolachas de água sal…enfim entradas deliciosas a prometer um casamento sério e duradouro da ciência com a doçaria tradicional….
Numa parede da cozinha Margarida ia projetando saberes atuais e tradicionais, e nestes reencontrámos diversas vezes recomendações das nossas Avós e Mães.

O poder de comunicação da Margarida e a sua sabedoria cativaram-nos de imediato, de tal modo que todos (as) queríamos ajudar, provar… enfim a cozinha depressa se tornou a nossa cozinha!
Muita ciência foi desvendada sobre os ovos na doçaria, a gelatina, as compotas e tantos outros “segredos”.
Não serei de todo exaustiva pois foi muito o que aprendemos naquela tarde, mas recordo que a Margarida preparou ali para nós uma saborosa e fofa Espuma de Lima e Manjericão, muito participada e saboreada por todos.
Entretanto e sob a supervisão da Conceição Loureiro Dias foi cozinhado um Arroz Doce delicioso. Também a propósito desta iguaria nacional ficámos a saber a importância da canela aqui!
Por fim esperava-nos uma surpresa, um manjar de reis, preparado ali à nossa vista: um Caviar de Manga!


E como diz o poeta: 
"Milhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo"

Maria Isabel Calado Ferreira


Lembrando Percursos Beneditinos GAMT - Porto

Eram meados de Novembro do ano findo quando aconteceu o décimo percurso beneditino. Pelas oito e trinta da manhã de sábado, partimos de Tibães em direção ao Porto. Tínhamos uma visita planeada ao Mosteiro de S. Bento da Vitória, Largo Amor de Perdição, Cadeia da Relação, Igreja de S. João da Foz.
Já no interior do Porto antigo, a autocarro parou nas proximidades do Jardim da Cordoaria e, dali, seguimos a pé até ao Mosteiro de São Bento da Vitória, onde Frei Geraldo J. A. Coelho Dias, OSB, nos esperava para falar do mosteiro, da instituição beneditina e do seu quotidiano monástico.
Penetrámos então pela rua de São Bento da Vitória, rua estreita e algo escura, e detivemo-nos junto a uma monumental fachada de estilo maneirista e barroco. Esperamos uns escassos minutos pelo segundo grupo, que se deslocou de comboio ou em viatura própria, enquanto apreciávamos os fantásticos portões construídos num rendilhado de ferro, encimados pelo brasão da ordem beneditina, que dão acesso ao interior da igreja do Mosteiro.
Transpondo o nobre pórtico de cantaria, tivemos um primeiro olhar do interior do templo de nave única com galilé, transepto saliente e capelas colaterais intercomunicantes. Viramos ligeiramente à esquerda, deparamos com um novo gradeamento em ferro artisticamente trabalhado e subimos rapidamente ao coro alto, onde deparamos com um cadeiral de talha em U de duas filas e espaldares com painéis esculpidos em relevo. É, sem dúvida, a joia mais preciosa da igreja, uma obra de surpreendente beleza do século XVIII. Dali, o nosso olhar ficou fascinado pela panorâmica, pois estávamos no topo, num verdadeiro miradouro que nos permitia admirar o paraíso estético da imensidão do templo: os órgãos simétricos, as abóbadas ritmadas, as esplendorosas sanefas rococó e, ao fundo, o altar-mor.
Aula de Frei Geraldo no Coro Alto S. Bento da Vitória
Começámos a ouvir Frei Geraldo J. A. Coelho falar da vida de S. Bento e do quotidiano dos beneditinos vivido naquele espaço de oração e arte. Descodificou-nos as imagens da vida de S. Bento contidas nos majestosos painéis emoldurados por talha rococó que nos oferecem uma narrativa original. É uma obra-prima de quadros esculpidos em madeira, em relevo, em dourados e policromados. As esculturas douradas e policromadas dos quatro santos beneditinos rematam, centralmente o cadeiral. Entre as várias histórias, recordamos o episódio do corvo e do pão envenenado.
Mas neste espaço deslumbrante também houve, infelizmente, tempo para desencantamentos: deparámos com a inaceitável intrusão de aves columbiformes, crê-se por um vidro partido, que com os seus dejetos estão a contribuir gradualmente para a degradação de parte do cadeiral. Espera-se que a urgente intervenção, pelos vistos não complicada, não peque por tardia.
Degradação do Cadeiral S. Bento da Vitória
Depois disto, descemos à nave central e fomos caminhando e apreciando os altares laterais, os púlpitos estrategicamente situados junto ao transepto com retábulos apoteóticos, a capela-mor com um retábulo barroco imponente ladeado de colunas torsas salomónicas, a sanefa do arco cruzeiro numa ondulação hiperbólica.
Para terminarmos, passámos por um corredor com um lavabo barroco decorado com dois mascarões e entrámos na sacristia com um enorme arcaz e espelhos de estilo rococó. Saímos, despedindo-nos de Frei Geraldo, pela rua das Taipas, apreciando uma iconografia beneditina composta de diversos santos.

Como a hora do meio-dia já apertava, dirigimo-nos à cadeia da Relação, já no âmbito do Jardim da Cordoaria. Passámos no Largo Amor de Perdição, onde a estátua em mármore "Amores de Camilo" do escultor Francisco Simões foi motivo para uma conversa sobre Camilo, os seus amores e a sua passagem forçada pela Cadeia da Relação.
Henrique Expondo a Vida de Camilo
Aqui, o sócio do GAMT, Henrique Barreto Nunes, falou sobre Camilo Castelo Branco, hóspede por duas vezes, ambas resultantes das suas aventuras amorosas: a primeira em 1846, cerca de dez dias, por causa da sua relação com Patrícia Emília de Barros; a segunda, por pouco mais de um ano, entre 1860 e 1861, “incurso no crime de adultério”, praticado com Ana Augusta Plácido. Citou episódios que descrevem o interior da prisão, as personagens invulgares que Camilo recorda nas “Memórias do cárcere” (1862) e ali começou a escrever: o chefe guerrilheiro Milhundres; António J. Coutinho, fabricante de moeda falsa; José do Telhado, salteador célebre, e o general “Caneta”. Referiu que Camilo fez aí diversas traduções, colaborou nos jornais “O Nacional” e “Revolução de Setembro”, redigiu em quinze dias “Amor de Perdição”, encontrou inspiração para outras obras “Maria da Fonte” e “Romance de um homem rico”.

Depois de um breve almoço confraternizador na zona da Cordoaria, pelas quinze horas, voltámos à memória beneditina e visitámos a igreja de S. João Baptista da Foz, a herdeira setecentista da velha igreja de S. João Baptista existente no forte de S. João da Foz.
Interior da Igreja S. João da Foz
Ali chegados, deparámos com uma igreja do século dezoito, de aparência descomplicada, abrigando um extraordinário tesouro barroco. Na fachada, o portal emoldurado e rematado por frontão circular interrompido é encimado por um nicho onde se expõe a imagem de São João Baptista. Nos nichos laterais figuraram, antigamente, as imagens de São Bento e Santa Escolástica. O alçado termina em frontão circular e cruz de pedra, ladeado pelas torres sineiras.

Entrando, deparámos com o interior de uma igreja barroca, de planta longitudinal, nave única, seis capelas colaterais com os diferentes padroeiros e capela-mor, todas com retábulos de talha dourada esplendorosa. Rui Osório, cónego da paróquia de S. João Baptista da Foz do Douro, homem também dedicado às causas do património, acompanhou-nos numa excecional visita guiada, recheada de episódios pessoais relativos ao restauro, asseio e conservação deste deslumbrante templo barroco.
Ao entardecer, regressámos a Braga com os olhos cheios da arte de mestres que tão bem trabalharam a pedra, a madeira e o ouro, alguns de nós já conhecidos.
Aula do Cónego Rui Osório na Igreja da Foz
A visita, de enorme qualidade, foi fortemente participada, excedendo mesmo a meia centena de intervenientes, fator que serve de estímulo à continuidade dos percursos beneditinos. Pretenderia deixar um registo de um enorme agradecimento aos guias extraordinários locais e aos que nos acompanham jornada a jornada, pois sem a sua presença não teríamos acesso a estes monumentos com os seus importantes detalhes elucidativos.

Sócio do GAMT nº 2



Portão de Entrada Rendilhado em Ferro
Orgão de S. Bento da Vitória
Magnífica Vista do Coro Alto S. Bento da Vitória
Majestoso Cadeiral do Coro Alto S. Bento da Vitória


Estátua de Camilo
Retábulo-Mor S. João da Foz
Eduardo Oliveira Explicando a Arte
Guias no Percurso Beneditino

Marcos: documentos de jurisdição administrativa

Cruz de Pau 
Decorria o mandato autárquico, nos inícios da década de noventa, em Mire de Tibães, quando surgiu uma solicitação para atestar se determinada propriedade rústica se encontrava dentro da área administrativa da freguesia. Perante a existência de incertezas, era preciso que a equipa autárquica se deslocasse ao local e fizesse a devida verificação, in loco. E assim se procedeu. No entanto, devido à forte densidade de mato e floresta e à falta de um levantamento objetivo dos marcos delimitativos de freguesia, à época, só foi possível fornecer uma resposta por estimativa ao requerente.

Passaram-se os anos e já neste século, após um terrível incêndio que devastou a encosta do monte de S. Gens/S. Filipe, vertente da freguesia de Padim da Graça, até ao rio Cávado, ficaram visíveis muros divisórios de propriedades e outras pedras. Algum tempo depois, decorria o ano dois mil e dez, a equipa educativa do Mosteiro de Tibães teve a venturosa ideia de propor um safari fotográfico, denominado Caminhada com História, que abrangia também a zona ardida, para mostrar outro tipo de património existente na área do antigo couto de Tibães. Despertava assim o gosto pela descoberta.
Pedroso
Enquanto isto, nascia o Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães (GAMT), associação voltada para o apoio à antiga casa-mãe da congregação beneditina, o Mosteiro de Tibães.
Numa manhã de primavera, durante uma das caminhadas semanais para a manutenção do físico e da alma, realizando o percurso pedestre atrás referido, acordou a ideia do levantamento exaustivo, com suporte histórico, de todos os marcos do couto e de freguesia de Mire de Tibães. Tinha toda a lógica fazê-lo, pois a História grandiosa do Mosteiro e da freguesia de Mire de Tibães o justificava.

É então que o professor e historiador José Carlos Peixoto, filho da terra, e o seu companheiro das andadas, professor Florêncio Gonçalves, com a responsabilidade de serem ambos sócios do GAMT, se metem na ditosa tarefa de achar os marcos de demarcação de fronteiras. Cada dia, era elegida uma zona que segundo a análise dos tombos de delimitação e confrontação nos indicavam a sua existência. Qualquer descoberta era sempre um verdadeiro regozijo. Foi uma empreitada longa e árdua, mas sem dúvida reconfortante, na qual também colaborou o engenheiro José Rodrigues, igualmente sócio do GAMT.
O trabalho investigativo do professor José Carlos foi crescendo durante os dois anos de pesquisa, resultando numa produção científica exemplar que se deu à estampa em 2014 com o título Tibães: marcos e domínios apoiada pela Junta de Freguesia. A memória da terra ficou mais rica.
Cangosta de Sobrado
Contudo, para defender estes verdadeiros documentos pétreos é preciso promover a sua qualificação, criando dignidade no espaço envolvente, diligenciando a sua divulgação através de trilhos orientados e fazendo a sua classificação de interesse municipal. Não se trata de banais marcos de pedra, eles representam uma forma de organização do espaço administrativo sui generis por conter inscrições elucidativas fora do habitual. 

A Junta de Freguesia de Mire de Tibães já interiorizou este apelo e, com a colaboração do GAMT, tem vindo a fazer a sua divulgação ao longo destes dois últimos anos, através de caminhadas pelos marcos de demarcação, por altura da celebração do dia da freguesia, realizando os trilhos de São Martinho de Tibães e de Santa Maria de Mire, antigas divisões administrativas do couto de Tibães.
Segundo as notícias recentemente veiculadas pelos órgãos de comunicação social, o processo de qualificação patrimonial está a ser bem encaminhado, quer pela Junta de Freguesia de Mire de Tibães, que já elaborou a documentação requerida, quer pela Câmara e Assembleia Municipal de Braga, que aprovaram por unanimidade a classificação dos Marcos de Mire de Tibães como património de interesse municipal.
A criação de um roteiro museológico para a reabilitação deste acervo da demarcação está em andamento. Bem hajam, porque o património construído ou natural a todos pertence. Vamos preservá-lo.

Florêncio Gonçalves, sócio do GAMT

Agrafonte
Carregal

Carvalhinho


Fr. Cipriano da Cruz 300 anos: Oração e Arte

Na comemoração dos 300 anos do falecimento de Fr. Cipriano da Cruz, faremos no Mosteiro de Tibães (local onde professou e desenvolveu a sua arte aquele grande escultor beneditino), uma abordagem à relação entre o desenvolvimento do barroco, nas suas diversas manifestações artísticas e a liturgia pós-tridentina. A arte como instrumento ao serviço da fé, pois como ficou estabelecido na Sessão XXV do Concílio de Trento, em Dezembro de 1563, “As imagens de Cristo, da Santíssima Virgem e de outros Santos, se devem ter e conservar especialmente nos templos e se lhes deve tributar a devida honra e veneração…”.
Na nota biográfica que dele fez Fr. Marceliano da Ascensão, escreveu então que nasceu em Braga, sem no entanto, lhe assinalar data e local de nascimento. O seu nome era Manuel de Sousa, filho de Pedro Fernandes e de Inês Gonçalves, moradores junto à igreja de S. Miguel-o-Anjotendo recebido hábito de donato ou leigo do abade geral Fr. Cipriano de Mendonça em 3 de Maio de 1676. Nesta data era já “consumado immaginario” e pretendido por outras Ordens Religiosas, nomeadamente pelos cistercienses do mosteiro de Alcobaça. Preferiu o hábito beneditino, e sendo reconhecido como bom artista, deveria a sua idade andar então pelos 25 anos. Assim, o seu nascimento deverá ter ocorrido pelos anos de 1650. Diz-nos também Fr. Marceliano de Araújo, “que o nosso escultor “para outros Mosteiros fez também imagens”, além das que realizou para Tibães e São Bento de Coimbra”. Há outras obras ainda, nomeadamente em Coimbra, de sua autoria e também fora das Ordens Religiosas.
Nos anos 90 do séc. XVII trabalhou em Coimbra, onde realizou diversas esculturas para o Mosteiro de São Bento e não só, pois na capela da Universidade existe uma imagem de S.ª Catarina que Fr. Cipriano da Cruz executou pelo preço de 12$000 réis, conforme o mesmo escreveu num recibo datado de 28 de Julho de 1691.
Viria a falecer em 11 de Fevereiro de 1716 no Mosteiro de Tibães, tendo sido sepultado no Claustro do Cemitério: Acabou a vida em 11 de fevereiro de 1716 neste Mosteiro de Tibães em cujo claustro esta sepultado, sendo que os effeitos do seo oficio lhe levantão tantas estatuas no templo da fama quantas são as figuras que fes.
                                        (Fr. Marceliano de Ascensão) 
Em 12 de Fevereiro de 2016, 300 anos após a sua morte, prestamos-lhe a devida homenagem. (Mosteiro de Tibaes, às 21h30)

   Paulo Oliveira